Um marco adicional na regulamentação dos FIAGRO: orientações da CVM sobre a distribuição de rendimentos
A regulamentação dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO) segue em constante evolução desde sua instituição legal em 2021. Nesse contexto, em 3 de abril de 2025, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou o Ofício-Circular Conjunto nº 1/2025/SSE/SNC, que traz orientações da Superintendência de Securitização e Agronegócio (SSE) e da Superintendência de Normas Contábeis e Auditoria (SNC) sobre a distribuição de rendimentos pelos FIAGRO aos seus cotistas.
Os FIAGRO foram criados pela Lei nº 14.130/21, que alterou a Lei nº 8.668/93 – originalmente aplicável apenas aos Fundos de Investimento Imobiliário (FII) – para instituir os FIAGRO e disciplinar sua constituição, seu funcionamento e seu regime tributário.
Os FIAGRO são destinados à aquisição de ativos relacionados às cadeias produtivas agroindustriais, incluindo, entre outros, (i) imóveis rurais; (ii) direitos de participação em sociedades que explorem atividades integrantes das cadeias produtivas agroindustriais; (iii) direitos creditórios do agronegócio, direitos creditórios imobiliários referentes a imóveis rurais e títulos de securitização neles lastreados, como certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e certificados de recebíveis imobiliários (CRI); e (iv) cotas de fundos de investimento que invistam nos ativos mencionados acima. Nos termos da Lei nº 14.130/21, a disciplina dos FIAGRO se baseia consideravelmente na disciplina dos FII, sendo também concedida aos cotistas que sejam pessoas físicas a isenção do imposto de renda para os rendimentos distribuídos por FIAGRO que atendam a determinados requisitos legais.
Desde a edição da Lei nº 14.130/21, a CVM tem se debruçado sobre o tema para incluir os FIAGRO na regulamentação do mercado de capitais. Em julho de 2021, foi publicada a Resolução CVM nº 39/21, que estabeleceu um regime regulatório experimental para os FIAGRO, de modo a permitir que tais fundos passassem a funcionar sob a forma de FII, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) ou Fundos de Investimento em Participações (FIP), enquanto não fossem estabelecidas normas mais específicas pela autarquia.
Com a edição da Resolução CVM nº 175/22, marco regulatório dos fundos de investimento, os então FIAGRO-FII, FIAGRO-FIDC e FIAGRO-FIP passaram a se sujeitar às novas normas aplicáveis a essas categorias, observados os prazos de adaptação ali previstos. Em setembro de 2024, contudo, a CVM publicou a Resolução CVM nº 214/24, que incluiu na Resolução CVM nº 175/22 o Anexo Normativo VI e suplementos específicos para os FIAGRO, finalmente reconhecendo-o como uma categoria nova e autônoma de fundo de investimento.
A Resolução CVM nº 214/24 trouxe novos contornos para os FIAGRO, inclusive compatibilizando a sua disciplina com outras mudanças regulatórias recentes. Entre seus principais aspectos, podemos citar (i) o maior protagonismo atribuído aos gestores, em linha com a diretriz adotada na Resolução CVM nº 175/22; (ii) uma política de investimento mais flexível, permitindo a exposição a diferentes fatores de risco do agronegócio, com aplicação subsidiária das normas que disciplinam outras categorias de fundos de investimento apenas caso a política de investimento do FIAGRO permita a aplicação de mais de 50% do seu patrimônio líquido em ativos que também sejam objeto de investimento de outra categoria de fundo; e (iii) a regulamentação do investimento em créditos de carbono do agronegócio e em créditos de descarbonização. Os FIAGRO já existentes quando da edição da nova norma têm até 30 de setembro de 2025 para se adaptar às suas disposições.
No âmbito dessas evoluções normativas, o Ofício-Circular Conjunto nº 1/2025/SSE/SNC manifesta o entendimento da SSE e da SNC de que não se aplica aos FIAGRO o disposto no artigo 10, parágrafo único, da Lei nº 8.668/93, por força do artigo 20-F da mesma Lei. Tal dispositivo, aplicável aos FII, estabelece que o fundo deverá distribuir semestralmente a seus cotistas, no mínimo, 95% dos lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa. Nos termos do Ofício-Circular, a distribuição de resultados dos FIAGRO deverá obedecer ao regime de competência e se limitar ao lucro contábil (lucro acumulado ou do exercício). De acordo com as Superintendências, os FIAGRO poderão se utilizar do fluxo de caixa para pagamento de rendimentos periódicos durante o exercício, respeitando, porém, os limites impostos pelo lucro apurado sob o regime de competência.
Por meio do Ofício-Circular, as Superintendências também manifestam o seu entendimento de que a adaptação dos regulamentos dos FIAGRO que hoje prevejam a distribuição dos seus resultados de acordo com a regra aplicável aos FII pode ser realizada em conjunto com a adaptação para fins da Resolução CVM nº 175/22, dentro do prazo ali estipulado, mas orienta que os administradores e gestores passem a aplicar o entendimento contido no Ofício a partir da data da sua divulgação.
As normas e entendimentos mencionados acima evidenciam uma preocupação do regulador de incluir adequadamente os FIAGRO no arcabouço normativo vigente, realizando as modernizações entendidas necessárias e contribuindo para garantir maior segurança aos investidores, administradores, gestores e demais participantes que estruturem ou invistam no produto, fomentando o desenvolvimento desse mercado.
Por Claudia Pinheiro, Victória Baruselli e Juliana Soares