Medida Provisória nº 1.292/25: modernização das normas de crédito consignado privado e mitigação de obstáculos para seus credores
Em 12 de março de 2025, foi publicada a Medida Provisória nº 1.292, que alterou a Lei nº 10.820/03 para atualizar as normas sobre a concessão de crédito consignado a trabalhadores do setor privado. A Medida Provisória, entre outras inovações, incluiu na Lei nº 10.820/03 disposições sobre a contratação das operações de empréstimo consignado por meio de sistemas e plataformas digitais, e estendeu a possibilidade de sua contratação a trabalhadores domésticos e rurais.
O crédito consignado, de forma geral, tem se mostrado um produto financeiro popular desde a sua criação. Entre outras vantagens, a diminuição do risco de inadimplemento, decorrente do desconto das parcelas em folha, confere mais segurança aos credores, permitindo a redução do custo do crédito para os devedores. As operações de empréstimo consignado também são relevantes ao mercado de capitais e são frequentemente objeto de securitização: fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) que adquirem créditos consignados, por exemplo, desempenham um papel importante no provimento de liquidez aos credores dessas operações. Apesar disso, dificuldades na operacionalização do crédito consignado privado, em especial, podem ter afetado negativamente a percepção do mercado sobre esse tipo de operação, em comparação com operações de mesma natureza que contam com consignações junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por exemplo.
Nesse sentido, a Medida Provisória foi editada com o objetivo de modernizar o crédito consignado privado, abordando certas preocupações do mercado. Uma das principais novidades trazidas consiste justamente na possibilidade de realização das operações por meio de sistemas ou plataformas digitais mantidas por agentes operadores públicos, acessíveis simultaneamente aos empregadores, empregados e instituições consignatárias. Dessa forma, elimina-se a necessidade de convênios ou parcerias específicos entre as instituições consignatárias e cada empregador privado para viabilizar o desconto em folha, que se mostrava uma das principais dificuldades enfrentadas pelas instituições consignatárias.
O oferecimento dessa modalidade de crédito ocorre por meio da página da Carteira de Trabalho Digital (CTPS Digital) na internet ou em aplicativos de celular: ao acessar a ferramenta, o trabalhador deve autorizar a consulta de seus dados pelas instituições financeiras habilitadas a operar na plataforma e requerer propostas de crédito, que serão enviadas em até 24 horas contadas da solicitação. Após o recebimento das propostas, o trabalhador poderá analisar as condições ofertadas e contratar a operação de empréstimo, sendo que a consignação contratada ficará registrada na plataforma. O pagamento das parcelas do empréstimo será descontado automaticamente da folha de pagamento do devedor, por meio do eSocial.
A Medida Provisória atribui obrigações aos empregadores, empregados e instituições consignatárias que utilizarem a plataforma, inclusive no que diz respeito aos dados pessoais dos devedores. No caso dos empregadores, por exemplo, a utilização da plataforma implica as obrigações de (i) efetuar todos os procedimentos necessários para a operacionalização dos descontos em folha e para a eficácia do instrumento de empréstimo, independentemente da existência de prévio acordo ou convênio com a instituição consignatária; e (ii) fornecer aos agentes operadores públicos (que administrarão a plataforma), aos empregados e aos órgãos responsáveis informações fidedignas relativas à folha de pagamento e à remuneração do empregado. A ideia é que a plataforma concentre as informações sobre todas as consignações contratadas pelo devedor: os empréstimos consignados contratados fora da plataforma também deverão ser nela averbados, sob pena de nulidade, observado o prazo de até 120 dias para aqueles já existentes.
A Medida Provisória nº 1.292/25 estende a possibilidade de consignação aos empregados domésticos, aos trabalhadores rurais e aos diretores não empregados com direito ao FGTS. Ademais, estabelece de forma clara que a consignação será aplicável a todos os vínculos empregatícios do devedor ativos no momento da contratação que se fizerem necessários ao adimplemento das obrigações decorrentes das operações de empréstimo, sendo que, caso ocorra a rescisão do contrato de trabalho ou a sua suspensão, a consignação passará a atingir outros vínculos empregatícios do devedor, sejam eles ativos no momento da contratação do empréstimo ou posteriores. Essas disposições se mostram relevantes para tratar a comum preocupação dos credores de empréstimos consignados com o pagamento das parcelas caso o devedor deixe de estar empregado.
A Medida Provisória não traz disposições específicas sobre as taxas de juros a serem cobradas nas operações de crédito consignado privado, mas o Governo Federal se manifestou no sentido de que não será estabelecido um teto de taxa de juros, sem prejuízo da necessidade de observância, pelas instituições consignatárias, dos limites de comprometimento de renda já previstos pela Lei nº 10.820/03. Por outro lado, a Medida Provisória prevê que, caso o devedor já tenha operações de crédito consignado vigentes, novas operações contratadas deverão ter taxa de juros inferior às anteriores. A portabilidade das operações também fica expressamente autorizada, desde que a taxa de juros da operação nova seja inferior.
A Medida Provisória entrou em vigor em 12 de março de 2025, data de sua publicação, e a plataforma já está desde 21 de março de 2025 disponível para utilização.
Ainda que o crédito consignado privado já existisse antes da edição da Medida Provisória, tal norma trouxe novos contornos para esse produto que podem torná-lo mais atrativo. O regramento do oferecimento do crédito por meio de uma plataforma digital, que dispensa a celebração de convênios com cada empregador e centraliza informações sobre os vínculos de emprego do devedor e sobre as próprias operações de empréstimo, e a ampliação do rol de trabalhadores que podem contratar tais operações, entre outras medidas, têm o potencial de contribuir para fomentar o crédito consignado privado no Brasil.
Por Claudia Pinheiro, Victória Baruselli e Juliana Soares