STF e STJ reforçam a efetividade da execução de garantias reais
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiram, recentemente, decisões relevantes para o sistema de garantias reais no Brasil. Enquanto o STF reconheceu a constitucionalidade dos procedimentos de execução extrajudicial introduzidos pela Lei nº 14.711/23 (Marco Legal das Garantias), o STJ reforçou o instituto da alienação fiduciária de imóveis.
O Marco Legal das Garantias, publicado em outubro de 2023, aprimorou as regras relativas às garantias e às medidas extrajudiciais para a recuperação do crédito. Em 30 de junho de 2025, o Plenário do STF concluiu o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 7.600, 7.601 e 7.608, que questionavam dispositivos dessa lei.
Em sua decisão, o STF reconheceu a constitucionalidade dos procedimentos extrajudiciais instituídos pelo Marco Legal das Garantias de (i) consolidação da propriedade em contratos de alienação fiduciária de bens móveis; (ii) execução dos créditos garantidos por hipoteca; e (iii) execução da garantia imobiliária em concurso de credores. Dessa forma, o STF reafirmou que tais procedimentos de execução de garantias reais podem ser feitos fora do âmbito do Poder Judiciário, trazendo maior celeridade à recuperação do crédito.
Especificamente com relação às diligências para localização e apreensão de bem móvel alienado fiduciariamente, a decisão do STF reforça expressamente que devem ser assegurados os direitos constitucionais do devedor, incluindo a inviolabilidade do sigilo de dados e do domicílio e a vedação ao uso privado da violência. A partir dessa decisão, depreende-se que, para evitar discussões judiciais, os credores devem observar estritamente os dispositivos do Marco Legal das Garantias nos procedimentos extrajudiciais de execução de garantias.
O STJ, por sua vez, enfrentou a questão da eficácia da compra e venda de um imóvel alienado fiduciariamente no julgamento do Recurso Especial nº 2130141/RS.
No caso em questão, uma construtora alienou fiduciariamente um imóvel a uma administradora de consórcios. Posteriormente, a construtora celebrou contrato de promessa de compra e venda desse mesmo imóvel com uma empresa intermediária, que, por sua vez, o transferiu a pessoas físicas. Com o inadimplemento da dívida, a administradora de consórcios consolidou a propriedade fiduciária do imóvel, o que levou os adquirentes finais a recorrerem ao Judiciário. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu o pedido dos compradores e afastou a consolidação da propriedade pelo credor fiduciário com base na Súmula nº 308 do STJ, a qual estabelece que “a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
A 4ª Turma do STJ decidiu, em maio de 2025, que a referida Súmula não deve ser aplicada aos casos de alienação fiduciária de imóveis. A decisão do STJ baseou-se nas diferenças estruturais entre a hipoteca e a alienação fiduciária. Além disso, ressaltou que a Súmula nº 308 consolidou precedentes ligados a imóveis com garantia hipotecária adquiridos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, contexto com normas mais protetivas para as partes vulneráveis.
Enquanto na hipoteca o devedor mantém a posse e a propriedade do bem, na alienação fiduciária a propriedade é transferida fiduciariamente ao credor. Portanto, caso o devedor fiduciante venda o bem antes da quitação da dívida, terá realizado a venda de algo que não lhe pertence. Segundo o entendimento do STJ, essa venda não produz efeitos em relação ao verdadeiro proprietário do bem (o credor fiduciário), sendo irrelevante a eventual boa-fé do terceiro adquirente.
Dessa forma, o STJ reformou a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para reconhecer a eficácia da alienação fiduciária inclusive perante as pessoas físicas adquirentes do imóvel, ainda que tenham agido de boa-fé.
Com essas decisões do STF e do STJ, credores de operações com garantia real passam a contar com maior segurança jurídica e efetividade na execução de suas garantias. Como destacado pelo próprio STJ no julgamento mencionado, essa segurança jurídica contribui para o desenvolvimento do mercado financeiro, para a ampliação do acesso ao crédito e para o crescimento econômico.
Por Claudia Pinheiro, Victória Baruselli e Juliana Soares