Lei Complementar nº 214/25: fundos de investimento na reforma tributária
Em 16 de janeiro de 2025, foi sancionada a Lei Complementar nº 214, que disciplina a reforma tributária do consumo. A Lei institui, como novos tributos, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União Federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Municípios e Distrito Federal. Tais tributos incidirão sobre todas as operações onerosas com bens e serviços e substituirão o PIS, a Cofins, o IPI, o ICMS e o ISS.
A versão da Lei Complementar nº 214/25 aprovada pelo Congresso Nacional teve uma série de dispositivos vetados pela Presidência da República. Entre eles, destacam-se os relativos à caracterização dos fundos de investimento como contribuintes da CBS e do IBS: a versão original da Lei, em consonância com os pleitos do mercado sobre o tema, previa expressamente que, como regra, os fundos de investimento não seriam contribuintes desses tributos. Após o veto presidencial, entretanto, todos os fundos de investimento, independentemente de sua categoria, passam a ser contribuintes da CBS e do IBS caso as operações por eles praticadas se enquadrem nas regras de incidência previstas na Lei, estando expressamente incluídos no conceito de “fornecedor” ali estabelecido.
A versão aprovada pelo Congresso Nacional, além de excluir os fundos do regime geral da CBS e do IBS, trazia regras específicas para os fundos de investimento imobiliário (FII) e para os fundos de investimento nas cadeias produtivas do agronegócio (Fiagro). Esses fundos, caso realizassem operações com bens imóveis, somente seriam contribuintes da CBS e do IBS, no regime regular, caso deixassem de atender aos requisitos ali previstos. A versão anterior também estabelecia que os fundos de investimento em geral somente passariam a ser contribuintes da CBS e do IBS, no regime regular, caso viesse a ser permitida a esses fundos a realização de novas operações com bens ou serviços sujeitas à incidência dos novos tributos. Todos esses dispositivos também foram vetados.
Nos termos da mensagem de veto, a eliminação dos dispositivos vetados foi motivada por suposta inconstitucionalidade. A inclusão dos fundos como contribuintes contrariou as expectativas do mercado e poderá afetar negativamente a configuração de toda a indústria: determinadas operações praticadas pelos fundos, a depender da sua natureza e forma de execução, poderão estar sujeitas à incidência dos novos tributos (principalmente no regime específico aplicável à tributação de serviços e produtos financeiros previsto na Lei), trazendo custos adicionais à sua estrutura. Nesse sentido, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA) divulgou notas à imprensa comunicando que envidará esforços junto ao governo e aos parlamentares para reverter a situação, em conjunto com a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), e que ambas as entidades defendem a derrubada desses vetos pelo Congresso Nacional: segundo a ANBIMA, a redação atual da Lei Complementar coloca os fundos em uma condição assimétrica em relação a outros produtos de investimento, diminui as alternativas de diversificação para os investidores e gera insegurança jurídica para todo o setor. Há uma expectativa de que, com a movimentação dos participantes do mercado, o veto possa ser derrubado pelo Congresso Nacional.
A Lei Complementar nº 214/25 dispõe, ainda, que os fundos de investimento que liquidem antecipadamente recebíveis, como os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), serão contribuintes da CBS e do IBS no regime específico dos serviços financeiros caso tais recebíveis sejam (i) recebíveis comerciais, representados por duplicatas, notas promissórias, cheques e outros títulos mercantis; ou (ii) decorrentes de arranjos de pagamento, em qualquer caso, apenas se o fundo em questão não se enquadrar como entidade de investimento nos termos da Lei nº 14.754/23. Essas disposições não foram alteradas em relação à versão da Lei aprovada pelo Congresso Nacional.
A nova Lei entra em vigor em 1º de janeiro de 2026, excetuados determinados dispositivos cuja vigência iniciará em 1º de janeiro dos anos de 2025, 2027, 2029 ou 2033. Ademais, é estabelecido um extenso regime de transição para o início da incidência dos novos tributos e eliminação dos substituídos.
Dadas as significativas e numerosas mudanças trazidas pela Lei Complementar nº 214/25, ainda restam dúvidas sobre a forma como será aplicada a nova tributação sobre os fundos de investimento. É certo, contudo, que os administradores, gestores e os demais participantes da estruturação e do desenvolvimento das atividades dos fundos de investimento deverão dedicar especial atenção aos ativos que poderão compor as suas carteiras e à essência de quaisquer operações por eles praticadas, podendo sujeitar o fundo à incidência da CBS e do IBS, especialmente caso os vetos presidenciais sejam mantidos[1]. Em que pesem os benefícios trazidos pela reforma tributária, as alterações promovidas pela nova Lei Complementar na tributação dos fundos de investimento poderão causar impactos consideráveis nesse setor, cujos efeitos ainda deverão ser avaliados.
[1] Os vetos presidenciais deverão ser apreciados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em sessão conjunta, em até 30 dias. É necessária a maioria absoluta dos votos dos deputados e senadores, considerados separadamente, para rejeição de vetos.
Por Claudia Pinheiro, Victória Baruselli e Juliana Soares